Dois grandes sismos abalaram o Algarve no século XVIII, respetivamente em 1722 e 1755.
Do terramoto de 1755 existem alguns breves relatos sobre os seus efeitos na cidade de Tavira.
Quanto ao de 1722, pouco se sabe. Por isso trazemos hoje aqui um texto extraído da "Crónica Seráfica", que nos relata o caso curioso vivido, na altura, no Convento dos Frades Franciscanos de Tavira.
"Entre os muitos e grandes terramotos, que experimentaram estes Reinos, particularmente o do Algarve, como escrevem os nossos Historiadores, é digno de memória o que sucedeu na Cidade de Tavira no ano de 1722.
Em 27 de Dezembro deste ano, dia do Evangelista Mimoso, pelas seis horas da tarde, houve um grande , e violento tremor de terra, que principiando do Cabo de S. Vicente, correu e se dilatou por aquele Reino.
As vilas de Vila Nova de Portimão, Albufeira, Loulé, e as Cidades de Faro e Tavira exprimentaram o maior estrago, com a morte de muitas pessoas e admiração de todas.
Arruinaram-se algumas Igrejas, Conventos, torres, muralhas e inumeráveis casas, que ou ficaram totalmente caídas, ou abertas e inabitáveis, e até algumas embarcações se acharam em seco no mar.
Tal foi a comoção do povo de Tavira, que, sem encarecimento, afirmam algumas pessoas fidedignas, que se acharam naquela Cidade na mesma ocasião, havendo visto um retrato, ou sombra do dia de Juízo.
Soou tão longe o eco daquele tremor, que na mesma hora, em que sucedeu no Algarve, fez impressão neste Convento de Xabregas, abalando a cama de um Religioso, que nela se achava recostado, fazendo soar por si o sino do nosso relogio.
Achavam-se os Religiosos do Convento de Tavira no Refeitório tomando a sua refeição da ceia; e no mesmo ponto, em que soou o tremor, se abalaram as paredes com movimento visível: o leitor da mesa se pegou ao púlpito, dando vozes, pedindo a Deus misericórdia; os serventes da mesa com as mesmas quartas de água, que tinham nas mãos para concluírem a cerimónia dela, fugiram para a cerca:
O Prelado com igual susto concluiu o acto; e saindo todos para fora, foram procurar refúgio contra os ameaços do Ceu. Uns pediam aos outros confissão, e todos desejavam confessar-se, sem haver quem pudesse ouvir, nem ser ouvido. Nesta grande confusão recorreram todos a Deus por meio do Augustíssimo Sacramento da Eucaristia, e entrando na Capela-mór, aberto o Sacrário, fizeram as preces costumadas, sendo tantas as lágrimas, como os suspiros.
Acabadas as preces, tomou a Comunidade sua disciplina, em que os golpes soavam mais que as vozes, e o sangue se confundia com as lágrimas, e cada um dava a despedir-se, cuidando todos ser aquela noite o último dia de sua vida."
(Foto: Pormenor da igreja do Convento de São Francisco, numa gravura da cidade de Tavira publicada no jornal "O Panorama", de 1843).
João Horta - FIRESHELTER52